terça-feira, 30 de setembro de 2008

Tudo cansa ...

Não ser amado cansa. Ser amado cansa. Amar cansa. Não amar cansa. Agir cansa. Pensar cansa. Esperar cansa. Ir ao encontro cansa. Falar cansa. Silenciar cansa. A solidão cansa. A companhia cansa. Trabalhar cansa. O ócio cansa. A infelicidade cansa. A felicidade cansa. Tentar dizer que se ama cansa. Esconder o amor que se sente cansa. Estar perto cansa. Estar longe cansa. Viver cansa. Tudo cansa. Por isso o grande descanso ao encontro do qual inexoravelmente caminhamos ...

[ eu (muito cansado ) por eu mesmo ( também cansado) ]

sábado, 27 de setembro de 2008

Nunca Nos Separamos do Primeiro Amor ...

Já o disse em Hiroshima Mon Amour: o que conta não é a manifestação do desejo, da tentativa amorosa. O que conta é o inferno da história única. Nada a substitui. Nem uma segunda história. Nem a mentira. Nada. Quanto mais a provocamos, mais ela foge. Amar é amar alguém. Não há um múltiplo da vida que possa ser vivido. Todas as primeiras histórias de amor se quebram e depois é essa história que transportamos para as outras histórias. Quando se viveu um amor com alguém, fica-se marcado para sempre e depois transporta-se essa história de pessoa a pessoa. Nunca nos separamos dele. Não podemos evitar a unicidade, a fidelidade, como se fôssemos, só nós, o nosso próprio cosmo. Amar toda a gente, como proclamam algumas pessoas e os cristãos, é embuste. Essas coisas não passam de mentiras. Só se ama uma pessoa de cada vez. Nunca duas ao mesmo tempo.

( Marguerite Duras )

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Feliz daquele que pode dizer: “Tenho o saber triste.”

O verdadeiro saber reduz-se às vigílias nas trevas: só o conjunto de nossas insônias nos distingue dos animais e de nossos semelhantes. Que idéia rica e estranha foi alguma vez fruto de um adormecido? Seu sono é bom? Seus sonhos tranqüilos? Engrossará a turba anônima.

O dia é hostil aos pensamentos, o sol os obscurece; só florescem em plena noite... Conclusão do saber noturno: quem chega a uma conclusão tranqüilizadora sobre o que quer que seja dá provas de imbecilidade ou de falsa caridade. Quem achou algum dia uma só verdade alegre que fosse válida? Quem salvou a honra do intelecto com propósitos diurnos? Feliz daquele que pode dizer: “Tenho o saber triste.”

(Emil Cioran - Breviário de Decomposição)

I’m not looking for sweet talk ...

I’m looking for time ...
Cause it hurts sometimes ...

( The Killers - Sweet Talk )

Versos Íntimos ...

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


( Augusto dos Anjos )

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A Soma e Substância de Toda a Filosofia ...

Se te casas, arrependes-te; se não te casa, arrependes-te também; cases-te ou não te cases, arrependes-te sempre. Ri-te das loucuras do mundo e irás arrepender-te; chora sobre elas, e arrependes-te também; ri-te das loucuras do mundo ou chora sobre elas, e de ambas as coisas te arrependes; quer te rias das loucuras do mundo, quer chores sobre elas irás sempre arrepender-te. Acredita numa mulher, e irás arrepender-te, não acredites nela e arrependes-te também; acredites ou não numa mulher, arrependes-te de ambas as coisas. Enforca-te, e arrependes-te; não te enforques, e na mesma te arrependes. É esta, meus senhores, a soma e substância de toda a filosofia.

( Soren Kierkegaard )

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Todos os seres são infelizes ... Mas quantos o sabem ?

Não há nas farmácias nada específico contra a existência; só pequenos remédios para os fanfarrões. Mas onde está o antídoto do desespero claro, infinitamente articulado, orgulhoso e seguro? Todos os seres são desgraçados, mas quantos o sabem? A consciência da infelicidade é uma doença grave demais para figurar em uma aritmética das agonias ou nos registros do Incurável.

( Emil Cioran em Breviário de Decomposição )

domingo, 21 de setembro de 2008

Lembrar é sinal que se esqueceu ...

Te esquecer é muito fácil.
Desde o dia que descobri que te amava ( e voce não a mim ) eu já te esqueci mais de mil vezes ...
A vida é um eterno esquecer. Alguns permanentes; outros não ...
( eu por eu mesmo )

O Bosque das Ilusões Perdidas ...

«Pela primeira vez Meaulnes sentiu aquela leve angústia que sempre nos toma no final de um dia demasiado belo.»

( Alain Fournier )

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O Solitário ...

O solitário leva uma sociedade inteira dentro de si: o solitário é multidão. E daqui deriva a sua sociedade. Ninguém tem uma personalidade tão acusada como aquele que junta em si mais generalidade, aquele que leva no seu interior mais dos outros. O gênio, foi dito e convêm repeti-lo frequentemente, é uma multidão. É a multidão individualizada, e é um povo feito pessoa. Aquele que tem mais de próprio é, no fundo, aquele que tem mais de todos, é aquele em quem melhor se une e concentra o que é dos outros.

(...) O que de melhor ocorre aos homens é o que lhes ocorre quando estão sozinhos, aquilo que não se atrevem a confessar, não já ao próximo mas nem sequer, muitas vezes, a si mesmos, aquilo de que fogem, aquilo que encerram em si quando estão em puro pensamento e antes de que possa florescer em palavras. E o solitário costuma atrever-se a expressá-lo, a deixar que isso floresça, e assim acaba por dizer o que todos pensam quando estão sozinhos, sem que ninguém se atreva a publicá-lo. O solitário pensa tudo em voz alta, e surpreende os outros dizendo-lhes o que eles pensam em voz baixa, enquanto querem enganar-se uns aos outros, pretendendo acreditar que pensam outra coisa, e sem conseguir que alguém acredite.

( Miguel de Unamuno em 'Solidão' )

domingo, 14 de setembro de 2008

Sentir é estar distraido ...

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela unica grande razão -Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e a chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraido.

( Alberto Caeiro, 7-11-1915 em O Guardador de Rebanhos )

Não existe destino que não se transcenda pelo desprezo ...

O MITO DE SÍSIFO.

Os deuses tinham condenado Sísifo a rolar um rochedo incessantemente até o cimo de uma montanha, de onde a pedra caía de novo por seu próprio peso. Eles tinham pensado, com as suas razões, que não existe punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.

Se acreditarmos em Homero, Sísifo era o mais sábio e mais prudente dos mortais. Segundo uma outra tradição, porém, ele tinha queda para o ofício de salteador. Não vejo aí contradição. Diferem as opiniões sobre os motivos que lhe valeram ser o trabalhador inútil dos infernos. Reprovam-lhe, antes de tudo, certa leviandade para com os deuses. Espalhou os segredos deles. Egina, filha de Asopo, foi raptada por Júpiter. O pai, abalado por esse desaparecimento, se queixou a Sísifo. Este, que tomara conhecimento do rapto, ofereceu a Asopo orientá-lo a respeito, com a condição de que fornecesse água à cidadela de Corinto. Às cóleras celestes ele preferiu a bênção da água. Foi punido por isso nós infernos. Homero nos conta ainda que Sísifo acorrentara a Morte. Plutão não pôde tolerar o espetáculo de seu império deserto e silencioso. Despachou o deus da guerra, que libertou a Morte das mãos de seu vencedor.

Diz-se também que Sísifo, estando prestes a morrer, imprudentemente quis pôr à prova o amor de sua mulher. Ele lhe ordenou jogar o seu corpo insepulto em plena praça pública. Sísifo se recobrou nos infernos. Ali, exasperado com uma obediência tão contrária ao amor humano, obteve de Plutão o consentimento para voltar à terra e castigar a mulher. Mas, quando ele de novo pôde rever a face deste mundo, provar a água e o sol, as pedras aquecidas e o mar, não quis mais retornar à escuridão infernal. Os chamamentos, as iras, as advertências de nada adiantaram. Ainda por muitos anos ele viveu diante da curva do golfo, do mar arrebentando e dos sorrisos da terra. Foi necessária uma sentença dos deuses. Mercúrio veio apanhar o atrevido pelo pescoço e, arrancando-o de suas alegrias, reconduziu-o à força aos infernos, onde seu rochedo estava preparado.

Já deu para compreender que Sísifo é o herói absurdo. Ele o é tanto por suas paixões como por seu tormento. O desprezo pelos deuses, o ódio à Morte e a paixão pela vida lhe valeram esse suplício indescritível em que todo o ser se ocupa em não completar nada. É o preço a pagar pelas paixões deste mundo. Nada nos foi dito sobre Sísifo nos infernos. Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. Neste caso, vê-se apenas todo o esforço de um corpo estirado para levantar a pedra enorme, rolá-la e fazê-la subir uma encosta, tarefa cem vezes recomeçada. Vê-se o rosto crispado, a face colada à pedra, o socorro de uma espádua que recebe a massa recoberta de barro, e de um pé que a escora, a repetição na base do braço, a segurança toda humana de duas mãos cheias de terra. Ao final desse esforço imenso medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, o objetivo é atingido. Sísifo; então, vê a pedra desabar em alguns instantes para esse mundo inferior de onde será preciso reerguê-la até os cimos. E desce de novo para a planície.

É durante esse retorno, essa pausa, que Sísifo me interessa. Um rosto que pena, assim tão perto das pedras, é já ele próprio pedra! Vejo esse homem redescer, com o passo pesado, mas igual, para o tormento cujo fim não conhecerá. Essa hora que é como uma respiração e que ressurge tão certamente quanto sua infelicidade, essa hora é aquela da consciência. A cada um desses momentos, em que ele deixa os cimos e se afunda pouco a pouco no covil dos deuses, ele é superior ao seu destino. É mais forte que seu rochedo.

Se esse mito é trágico, é que seu herói é consciente. Onde estaria, de fato, a sua pena, se a cada passo 0 sustentasse a esperança de ser bem-sucedido? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas e esse destino não é menos absurdo. Mas ele só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua condição miserável: é nela que ele pensa enquanto desce. A lucidez que devia produzir o seu tormento consome, com a mesma força, sua vitória. Não existe destino que não se supere pelo desprezo.

Se a descida, assim, em certos dias se faz para a dor, ela também pode se fazer para a alegria. Esta palavra não está demais. Imagino ainda Sísifo indo outra vez para seu rochedo, e a dor estava no começo. Quando as imagens da terra se mantêm muito intensas na lembrança, quando o apelo da felicidade se faz demasiadamente pesado, acontece que a tristeza se impõe ao coração humano: é a vitória do rochedo, é o próprio rochedo. O enorme desgosto é pesado demais para carregar. São nossas noites de Getsêmani. Mas as verdades esmagadoras perecem ao serem reconhecidas. Assim, Édipo de início obedece ao destino sem o saber. A partir do momento em que ele sabe, sua tragédia principia. Mas no mesmo instante, cego e desesperado, reconhece que o único laço que o prende ao mundo é ó frescor da mão de uma garota. Uma fala descomedida ressoa então: "Apesar de tantas experiências, minha idade avançada e a grandeza da minha alma me fazem achar é que tudo está bem”. O Édipo de Sófocles, como o Kirílov de Dostoiévski, dá assim a fórmula da vitória absurda. A sabedoria antiga torna a se encontrar com o heroísmo moderno.

Não se descobre o absurdo sem ser tentado a escrever algum manual de felicidade. "Mas como, com umas trilhas tão estreitas?" No entanto, só existe um mundo. A felicidade e o absurdo são dois filhos da mesma terra. São inseparáveis. O erro seria dizer que a felicidade nasce forçosamente da descoberta absurda. Ocorre do mesmo modo o sentimento do absurdo nascer da felicidade. "Acho que tudo está bem", diz Édipo, e essa fala é sagrada. Ela ressoa no universo feroz e limitado do homem. Ensina que tudo não é e não foi esgotado. Expulsa deste mundo um deus que nele havia entrado com a insatisfação e o gosto pelas dores inúteis. Faz do destino um assunto do homem e que deve ser acertado entre os homens.

Toda a alegria silenciosa de Sísifo está aí. Seu destino lhe pertence. Seu rochedo é sua questão. Da mesma forma o homem absurdo, quando contempla o seu tormento, faz calar todos os ídolos. No universo subitamente restituído ao seu silêncio, elevam-se as mil pequenas vozes maravilhadas da terra. Apelos inconscientes e secretos, convites de todos os rostos, são o reverso necessário e o preço da vitória. Não existe sol sem sombra, e é preciso conhecer a noite. O homem absurdo diz sim e seu esforço não acaba mais. Se há um destino pessoal, não há nenhuma destinação superior ou, pelo menos, só existe uma, que ele julga fatal e desprezível. No mais, ele se tem como senhor de seus dias. Nesse instante sutil em que o homem se volta sobre sua vida, Sísifo, vindo de novo para seu rochedo, contempla essa seqüência de atos sem nexo que se torna seu destino, criado por ele, unificado sob o olhar de sua memória e em breve selado por sua morte. Assim, convencido da origem toda humana de tudo o que é humano, cego que quer ver e que sabe que a noite não tem fim, ele está sempre caminhando. O rochedo continua a rolar.

Deixo Sísifo no sopé da montanha! Sempre se reencontra seu fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta os rochedos. Ele também acha que tudo está bem. Esse universo doravante sem senhor não lhe parece nem estéril nem fútil. Cada um dos grãos dessa pedra, cada clarão mineral dessa montanha cheia de noite, só para ele forma um mundo. A própria luta em direção aos cimos é suficiente para preencher um coração humano. É preciso imaginar Sísifo feliz.

( Albert Camus em 'O Mito de Sísifo')

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

«Ser» é um aventura pessoal e solitária ...

«Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida - ninguém, exceto tu, só tu.Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o!»

( Nietzsche )

Máximo de Tédio no Máximo de Civilização ...

Na Terra tudo vive - e só o homem sente a dor e a desilusão da vida. E tanto mais as sente, quanto mais alarga e acumula a obra dessa inteligência que o torna homem, e que o separa da restante Natureza, impensante e inerte. É no máximo de civilização que ele experimenta o máximo de tédio. A sapiência, portanto, está em recuar até esse honesto mínimo de civilização, que consiste em ter um teto de colmo, uma leira de terra e o grão para nela semear. Em resumo, para reaver a felicidade, é necessário regressar ao Paraíso - e ficar lá, quieto, na sua folha de vinha, inteiramente desguarnecido de civilização, contemplando o anho aos saltos entre o tomilho, e sem procurar, nem com o desejo, a árvore funesta da Ciência!

( Eça de Queirós, em 'Civilização' )

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Para os cientistas que construíram o acelerador de partículas LHC ...

O crente fervoroso que a Deus tudo credita. O cientista fervoroso que à Ciência tudo credita. Duas faces estúpidas de uma mesma moeda sem valor. Dois pontos extremos que se tocam : fanatismo e engano sem sentido. Para ambos, tudo vale a pena. O "tudo vale a pena" será a nossa maldição e marcará o nosso fim.

Para os primeiros : «Deus é um desespero que começa onde todos os outros acabam.»; para os segundos : «Objeção contra a ciência: este mundo não vale a pena ser conhecido.» ( Emil Cioran )

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Emil Cioran ( Overdose ) ...

A urina de vaca era o único remédio que os monges estavam autorizados a utilizar nas primeiras comunidades budistas. Se refletirmos a respeito, isso se mostra justo e normal. Se buscamos a paz, só podemos alcançá-la rejeitando tudo o que seja fator de confusão, isto é, tudo o que o homem acrescentou à simplicidade original. Multiplicar os remédios é tornar-se escravo deles. Não é esse o caminho da cura nem da salvação. Nada revela melhor nossa decadência que o espetáculo de uma farmácia: todos os remédios que se quiser para cada um de nossos males, mas nenhum para o nosso mal essencial, para aquele do qual nenhuma invenção humana pode nos curar.

...

Conhecer a nós mesmos é identificar o motivo sórdido de nossos gestos, o inconfessável inscrito em nossa substância, a soma de misérias patentes ou clandestinas das quais depende nossa eficácia. Tudo o que emana das zonas inferiores de nossa natureza está investido de força, tudo o que vem de baixo estimula: produzimos e rendemos mais por inveja e rapacidade do que por nobreza e desinteresse.

...

Desconfiemos dos que aderem a uma filosofia tranqüilizadora, dos que crêem no Bem e o erigem em ídolo; não teriam chegado a isso se, debruçados honestamente sobre si mesmos, tivessem sondado suas profundezas ou seus miasmas; mas aqueles poucos que tiveram a indiscrição ou a infelicidade de mergulhar até as profundidades de seu eu, conhecem bem o que é o homem: não poderão mais amá-lo, pois não amam mais a si próprios, embora continuem – e esse é seu castigo – mais apegados a seu eu do que antes...

( Emil Cioran )

sábado, 6 de setembro de 2008

Ainda sobre o apanhador no campo de centeio ...

J.D. Salinger foi duplamente genial.
Primeiro, concebendo a estória de Holden Caufield, um adolescente comum, angustiado e perdido nas suas dúvidas. Um garoto procurando respostas que ele mesmo sabe que não vai encontrar. "Para onde vão os patos que vivem num certo lago do Central Park quando tudo fica congelado no inverno?". Esta é uma das perguntas que ele faz a si mesmo e aos outros. Uma pergunta boba, ingênua e sem sentido, mas que ganha proporções colossais se for entendida como : "Para onde podemos ir quando o inverno se instala em nós ? Para onde ir quando a nossa vida parece se congelar ? Existirá um lugar longe do grande mar congelado do qual Kafka nos falou onde podemos nos refugiar ?".
Caufield, visto de longe, é o heroi sem qualidades. Mas ele tem uma : é humano. Talvez a única qualidade que realmente interesse num homem. Mas esta é uma qualidade proscrita. É preciso coragem para pagar o preço que ela nos cobra quando resolvemos assumi-la. Por isso, tantos homens, mas tão poucos humanos. E Caufield parece querer pagar tal preço.
A Segunda sacada de Salinger: ele criou um título fantástico para sua obra. Um título genial para uma obra igualmente genial e que é explicada ao leitor numa conversa do protagonista com a sua irmãzinha Phoebe.
Aquele que tiver um mínimo de sensibilidade e ler este livro sempre se lembrará de Holden Caufield e do apanhador no campo de centeio.

Esse fragmento merece bis :

( ... )

- Você sabe o que eu quero ser quando crescer? - perguntei a ela. -Sabe o que eu queria ser? Se pudesse fazer a merda da escolha?
-O quê? Pára de dizer nome feio.
-Você conhece aquela cantiga: "Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio"? Eu queria…
-A cantiga é "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio"! - ela disse. - É de um poema do Robert Burns.
-Eu sei que é de um poema do Robert Burns.
Mas ela tinha razão. É mesmo "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio". Mas eu não sabia direito.
-Pensei que era "Se alguém agarra alguém" - falei. - Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto - quer dizer, ninguém grande - a não ser eu. Eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice.

( ... )

( eu por eu mesmo )

Poucos compreenderiam ...

- Você conhece aquela cantiga: "Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio"? Eu queria...
- A cantiga é "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio"! - ela disse. - É dum poema do Robert Burns.
- Eu sei que é dum poema do Robert Burns.
Mas ela tinha razão. É mesmo "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio". Mas eu não sabia direito.
- Pensei que era "Se alguém agarra alguém" - falei. - Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto - quer dizer, ninguém grande - a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice.

( J.D. SALINGER - O Apanhador no Campo de Centeio )

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Quais livros merecem ser lidos ?

É bom quando nossa consciência sofre grandes ferimentos, pois isso a torna mais sensível a cada estímulo. Penso que devemos ler apenas livros que nos ferem, que nos afligem. Se o livro que estamos lendo não nos desperta como um soco no crânio, por que perder tempo lendo-o? Para que ele nos torne felizes, como você diz? Oh Deus, nós seríamos felizes do mesmo modo se esses livros não existissem. Livros que nos fazem felizes poderíamos escrever nós mesmos num piscar de olhos. Precisamos de livros que nos atinjam como a mais dolorosa desventura, que nos assolem profundamente – como a morte de alguém que amávamos mais do que a nós mesmos –, que nos façam sentir que fomos banidos para o ermo, para longe de qualquer presença humana – como um suicídio. Um livro deve ser um machado para o mar congelado que há dentro de nós.

( Franz Kafka )

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

"Definitivamente, a velhice é a punição por ter vivido." ( Cioran )

Dois velhinhos conversam num asilo:
- Macedo, eu tenho 83 anos e estou cheio de dores e problemas.Você deve ter mais ou menos a minha idade.Como é que você se sente?
- Como um recém-nascido.
- Como um recém-nascido?!
- Sim.
- Sem cabelo, sem dentes e acho que acabei de mijar nas calças.

( nem vou assinar )

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Enquanto isto, na floresta do alheamento ...

Desenganemo-nos da esperança, porque trai, do amor, porque cansa, da vida, porque farta e não sacia, e até da morte, porque traz mais do que se quer e menos do que se espera.

( Fernando Pessoa )