Se na hierarquia das mentiras a vida ocupa o primeiro posto, o amor lhe sucede imediatamente, mentira dentro da mentira. Expressão de nossa posição híbrida, se rodeia de um aparato de beatitudes e de tormentos, graças aos quais encontramos em outro ser um substituto de nós mesmos. Graças a que engano dois olhos nos apartam de nossa solidão? Há quebra mais humilhante para o espírito? O amor adormece o conhecimento; o conhecimento desperto mata ao amor. A irrealidade não pode triunfar indefinidamente, nem sequer disfarçada com a aparência da mais exultante mentira. E por outra parte, quem teria uma ilusão tão firme para encontrar em outro o que procurou de modo vão em si mesmo? «Um espasmo das entranhas nos dará o que o universo inteiro não soube oferecer-nos?» E, contudo, esse é o fundamento desta anomalia corrente e sobrenatural: resolver entre dois - ou melhor, suspender - todos os enigmas; a favor de uma impostura, esquecer esta ficção em que flutua a vida; com um duplo arrulho encher a vacuidade geral; e - paródia do êxtase -, afogar-se, finalmente, no suor de um cúmplice qualquer...
( Emil Cioran )