domingo, 23 de maio de 2010

O mundo foi feito para ser sentido e não para ser conhecido ...

Eis aí também as árvores e conheço suas rugas, eis a água e experimento-lhe o sabor. Esses perfumes de relva e estrelas, a noite, certas tardes em que o coração se descontrai, como eu negaria o mundo de que experimento o poder e as forças? Contudo, toda a ciência dessa terra não me dará nada que me possa garantir que este mundo é pára mim. Vocês o descrevem e me ensinam a classificá-lo. Vocês enumeram suas leis e, na minha sede de saber, concordo que elas sejam verdadeiras. Vocês desmontam seu mecanismo e minha esperança aumenta. Por último, vocês me ensinam que esse universo prestigioso e colorido se reduz ao átomo e que o próprio átomo se reduz ao elétron. Tudo isso é bom e espero que vocês continuem. Mas vocês me falam de um invisível sistema planetário em que os elétrons gravitam ao redor de um núcleo. Vocês me explicam esse mundo com uma imagem. Reconheço, então, que vocês enveredam pela poesia: nunca chegarei ao conhecimento. Tenho tempo para me indignar com isso? Vocês já mudaram de teoria. Assim, essa ciência que devia me ensinar tudo se limita à hipótese, essa lucidez se perde na metáfora, essa certeza se resolve como obra de arte. Para o que é que eu precisava de tantos esforços? As doces curvas dessas colinas e a mão da tarde sobre este coração agitado me ensinam muito mais. Compreendo que se posso, com a ciência, me apoderar dos fenômenos e enumerá-los, não posso da mesma forma apreender o mundo. Quando tiver seguido com o dedo todo o seu relevo, não saberei nada, além disso. E vocês me levam a escolher entre uma descrição que é certa, mas que não me informa nada, e hipóteses que pretendem me ensinar, mas que não são certas. Estranho diante de mim mesmo e diante desse mundo, armado de todo o apoio de um pensamento que nega a si mesmo a cada vez que afirma, qual é essa condição em que só posso ter paz com a recusa de saber e de viver, em que o desejo da conquista se choca com os muros que desafiam seus assaltos? Querer é suscitar os paradoxos. Tudo é organizado para que comece a existir essa paz envenenada que nos dão a negligência, o sono do coração ou as renúncias mortais.
( Abert Camus )

domingo, 16 de maio de 2010

O coração espera sempre ...

Os homens dizem «tudo passa», mas quantos captam o alcance desta aterradora banalidade? Quantos fogem da vida, a cantam ou a choram? Quem não está imbuído da convicção de que tudo é vão? Mas quem ousa afrontar suas conseqüências? O homem com vocação metafísica é mais raro que um monstro e no entanto, cada homem contém virtualmente os elementos dessa vocação. Bastou a um príncipe indiano ver um inválido, um velho e um morto para compreender tudo; nós que também os vemos não compreendemos nada, pois nada muda em nossa vida. Não podemos renunciar a coisa nenhuma; contudo, as evidências da vaidade estão ao nosso alcance. Enfermos da esperança, esperamos sempre; e a vida é apenas uma espera hipostasiada. Esperamos tudo, inclusive o nada, antes de ser reduzidos a uma suspensão eterna, a uma condição de divindade neutra ou de cadáver. Assim, o coração que se formou num axioma do Irreparável, espera todavia surpresas. A humanidade vive amorosamente nos sucessos que a negam...
( Emil Cioran )

domingo, 2 de maio de 2010

Todos serão sorteados ...

A vida é um jogo monótono que dá dois prêmios:
A Dor e a Morte.
Feliz a criança que expirou ao nascer;
mais feliz quem não veio ao mundo.


(Omar Khayyam)