quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ataraxia ...

«Com o passar das horas, dos dias, das semanas, das estações, desprendes-te de tudo, afastas-te de tudo. Descobres, por vezes, quase com uma espécie de jubilosa embriaguez, que és livre, que nada te importa. Nada te agrada ou desagrada. Nessa vida sem usura e sem outro frêmito a não ser os instantes suspensos que te proporcionam as cartas e certos ruídos, certos espetáculos a que assistes, encontras uma felicidade quase perfeita, fascinante, por vezes repleta de emoções novas. Vives um repouso total. És, a cada instante, poupado, protegido. Vives num bem-aventurado parêntese, num vazio cheio de promessas e de que não esperas nada. És invisível, límpido, transparente. Já não existes. Há apenas a sequência das horas, a sequência dos dias, a passagem das estações, o passar do tempo, e tu sobrevives, sem alegria e sem tristeza, sem futuro e sem passado, assim, simplesmente, evidentemente, como uma gota de água que escorre da torneira de um patamar, como seis peúgas mergulhadas numa bacia de plástico cor-de-rosa, como uma mosca ou como uma ostra, como uma vaca, como um caracol, como uma criança ou como um velho... como um rato.»


(Georges Perec - Um Homem que Dorme)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Exegese da decadência ...

Cada um de nós nasceu com uma dose de pureza predestinada a ser corrompida pelo comércio com os homens, por esse pecado contra a solidão. Assim é, pois cada um de nós faz o impossível para não se ver entregue a si mesmo. Tal coisa não é fatalidade, e sim tentação pela decadência. Incapazes de guardar nossas mãos limpas e nossos corações intactos, manchamo-nos com o contato de suores estranhos, arrastamo-nos sedentos de asco e fervorosos de pestilência na lama unânime. E quando sonhamos com mares convertidos em água benta é tarde demais para mergulharmos neles. Nossa corrupção demasiada profunda nos impede de afogarmo-nos ali. O mundo infectou nossa solidão. As impressões dos outros sobre nós mesmos se fazem indeléveis.

(Emil Cioran)

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Os limites da linguagem ...

"Tão logo expressamos uma coisa com palavras, é estranho como ela se desvaloriza. Pensamos ter mergulhado no mais fundo dos abismos, e, quando retornamos à superfície, a gota d'água que trazemos nas pálidas pontas dos nossos dedos já não se parece com o mar de onde veio. Imaginamos haver descoberto uma mina de tesouros inestimáveis, e a luz do dia só nos mostra pedras falsas e cacos de vidro. Mas o tesouro continua a brilhar, inalterado, no fundo escuro."

(Maurice Maeterlinck - Do livro o Jovem Törless de Robert Musil)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

É possível conhecer algo absolutamente ?

«O único conhecimento absoluto que o homem pode adquirir é o de que a vida não tem sentido.»

(Tolstoy)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Viver significa apenas desesperar ...

Afinal, viver significa apenas desesperar, disse. Quando me levanto, penso com repugnância em mim mesmo e tenho pavor de tudo o que me espera. Quando me deito, só sinto o desejo de morrer, de não acordar mais, mas então acordo, e esse processo horroroso se repete, e continua enfim se repetindo por cinquenta anos, disse. E pensar que durante cinquenta anos só desejamos estar mortos e, no entanto, continuamos vivos e sem poder fazer nada para alterar isso, por que somos absolutamente inconsequentes, disse. Por que somos a mesquinhez em pessoa, a vileza em pessoa. Sem talento para a música, exclamou ele: Sem talento para a vida! Somos tão arrogantes que acreditamos estar estudando música, quando na verdade não somos capazes nem sequer de viver, somos incapazes até de existir, e afinal não existimos: somos existidos!

( O Náufrago - Thomas Bernhard )

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O homem : Macaco versão 2.0 ... Mas ainda macaco ...

A superioridade do homem sobre o lobo é que ele tem mais imaginação para inventar razões.


(Vergílio Ferreira)