terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Graças a que engano dois olhos nos apartam de nossa solidão? ...

Se na hierarquia das mentiras a vida ocupa o primeiro posto, o amor lhe sucede imediatamente, mentira dentro da mentira. Expressão de nossa posição híbrida, se rodeia de um aparato de beatitudes e de tormentos, graças aos quais encontramos em outro ser um substituto de nós mesmos. Graças a que engano dois olhos nos apartam de nossa solidão? Há quebra mais humilhante para o espírito? O amor adormece o conhecimento; o conhecimento desperto mata ao amor. A irrealidade não pode triunfar indefinidamente, nem sequer disfarçada com a aparência da mais exultante mentira. E por outra parte, quem teria uma ilusão tão firme para encontrar em outro o que procurou de modo vão em si mesmo? «Um espasmo das entranhas nos dará o que o universo inteiro não soube oferecer-nos?» E, contudo, esse é o fundamento desta anomalia corrente e sobrenatural: resolver entre dois - ou melhor, suspender - todos os enigmas; a favor de uma impostura, esquecer esta ficção em que flutua a vida; com um duplo arrulho encher a vacuidade geral; e - paródia do êxtase -, afogar-se, finalmente, no suor de um cúmplice qualquer...

( Emil Cioran )

3 comentários:

Na borda do Abismo disse...

Este, até eu vou ter que comentar ...
Vou fazer deste trecho um mantra; repeti-lo todos os dias até senti-lo ... Pois, acreditar, eu já acredito ( nem precisava repetir ), mas não consigo senti-lo ...
Falhastes, meu caro Cioran ... não me mande definições, me diga, sim, o que fazer diante desta catástrofe que é o amor ...

Where I'm Anymore disse...

O amor, Tio Beto, o amor é a maior das catástrofes, a maior das ciladas: sem ele, a vida perde todo o sentido; ele sempre promete ser mais do que consegue cumprir; e pior: para algumas pessoas, ele jamais chega sequer a se concretizar por um instante que seja. É um 'tanto faz', um beco sem saída, que é completamente trágico.

É tão engraçado que só agora me dei conta que a gente caracterizou amor da mesma maneira: uma catástrofe. Até nisso a gente se esbarra. E mais: eu ia propor a mesma inquietação que você colocou, ou seja, diante disso, o que fazer? Se nem Cioran, o mago, sabia, que dirão reles mortais coxas... Cada dia que passa, eu sei cada vez menos, Beto.

Where I'm Anymore disse...

Ah sim: gostar de alguém, ter um sentimento sincero por alguém, é a maior das idiotices que um ser humano pode cometer em sua vida.