sábado, 29 de novembro de 2008

A medida do Sofrimento.

Há seres que se acham condenados a saborear unicamente o veneno das coisas. Seres para os quais toda surpresa é dolorosa e toda experiência uma nova tortura. Se dirá que esse sofrimento tem razões subjetivas e procede de uma constituição particular. Mas existe um critério objetivo para avaliar o sofrimento? Quem poderia certificar que minha vizinha sofre mais que eu mesmo, ou que ninguém tenha sofrido mais que Cristo? O sofrimento não é objetivamente avaliável, pois não se mede por sinais exteriores ou transtornos precisos do organismo, senão pela maneira que tem a consciência de refleti-lo e de senti-lo. Mas, deste ponto de vista, as hierarquizações resultam-se impossíveis. Todo o mundo preservará seu próprio sofrimento, que considera absoluto e ilimitado. Invocando todos os sofrimentos deste mundo, as mais terríveis agonias, os suplícios mais refinados, as mortes mais atrozes, os abandonos mais dolorosos, todos os infestados, os queimados vivos e as vítimas lentas do boato, diminuiria com isso nosso sofrimento? Ninguém poderá consolar-se no momento de sua agonia mediante o simples pensamento de que todos os homens são mortais, da mesma maneira que, enfermos, não poderíamos achar um alívio no sofrimento presente ou passado dos demais. Neste mundo organicamente deficiente e fragmentário, o indivíduo tende a elevar sua próprio existência à categoria do absoluto: todos vivemos como se fôssemos o centro do universo ou da história. Esforçar-se por compreender o sofrimento alheio não diminui em nada o nosso próprio. Neste tema, as comparações carecem do mínimo sentido, dado que o sofrimento é um estado de desolação íntima que nada exterior pode mitigar. Poder sofrer sozinho é uma grande vantagem. Que sucederia se o semblante humano expressasse com fidelidade o sofrimento interior? Se todo o suplício interno se manifestasse na nossa expressão? Poderíamos conversar ainda? Poderíamos trocar palavras sem ocultar nosso semblante com as mãos? A vida seria realmente impossível se a intensidade de nossos sentimentos pudessem ler-se sobre a nossa face.

( Emil Cioran )

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